Fundamentação: A doxorrubicina (Dox) é utilizada em diversos tipos de câncer. No entanto, a cardiotoxicidade é efeito colateral comum. A fisiopatologia da cardiotoxicidade não é completamente compreendida, mas os neutrófilos produzem substâncias atrativas como as NETs (neutrophil extracellular traps), moduladoras da inflamação, que podem mediar a remodelação da matriz extracelular cardíaco.
Objetivos: Analisar o papel das NETs na fisiopatologia da cardiotoxicidade aguda induzida por Dox.
Métodos: 60 ratos Wistar foram alocados em 3 grupos: Controle (C), Dox (D) e Dox + DNAse (DD). Os grupos D e DD receberam injeção intraperitoneal de Dox 10mg/kg, e após 2h, o grupo DD recebeu injeção subcutânea de DNAse 20mg/kg (inibidor de NETs). Após 48h da injeção com Dox, diferentes variáveis foram avaliadas. Utilizamos a ANOVA de uma via, com significância de 5%.
Resultados: O grupo D apresentou aumento de NETs quando comparado aos grupos C e DD (C=2997±810; D=5955±1906; DD=4108±1674 pg/mL; p<0,001). No ecocardiograma, o tempo de relaxamento isovolumétrico corrigido pela frequência cardíaca foi maior nos grupos D e DD (C=46±4,6; D=51±7,9; DD=51±7,7, p=0,039). Além disso, no estudo do coração isolado, a área sob a curva da relação pressão-volume diastólica foi reduzida no grupo D, indicando menor complacência ventricular, quando comparado com C e DD (C=827±74; D=670±109; DD=966±218; p=0,007). Dox induziu aumento da concentração miocárdica de malondialdeído nos grupos D e DD (C=48±28; D=73±32; DD=82±25 nmol/mg de proteína; p<0,05). Em relação à matriz extracelular, a Dox aumentou o colágeno no tecido cardíaco e a DNAse atenuou esse fenômeno (C=2,88±0,97, D=3,51±0,7, DD=2,99±0,66%; p<0,05). Adicionalmente, a Dox aumentou a atividade da metaloproteinase 2 (C=1,01±0,28, D=2,04±0,47, DD=2,36±0,6; p<0,001), mas a DNAse não interferiu neste parâmetro. A expressão protéica dos inibidores teciduais de metaloproteinase tipo 2 e 4 não foi diferente entre os grupos, bem como os valores das interleucinas-1, 6, 17, 10, fator de necrose tumoral alfa e fator de crescimento transformador beta.
Conclusões: A cardiotoxicidade induzida por Dox está associada à disfunção diastólica, fibrose cardíaca, aumento da atividade da metaloproteinase 2 e estresse oxidativo. As NETs estão envolvidos na fisiopatologia da cardiotoxicidade induzida por Dox. A inibição da netose melhorou a função diastólica, associada à diminuição do conteúdo de colágeno miocárdico. No entanto, este efeito não foi mediado por estresse oxidativo, marcadores inflamatórios e outras variáveis da matriz extracelular.