INTRODUÇÃO: Bradicardia e redirecionamento do fluxo sanguíneo para órgãos centrais são as principais adaptações fisiológicas durante o mergulho ("diving response"). Entretanto, a ocorrência de hipóxia, aliado a fatores constitucionais e a estímulos contraditórios entre o sistema nervoso simpático e parassimpático participam da gênese de arritmias. É frequente a ocorrência de extrassístoles atriais (EA) e ventriculares (EV), nem sempre identificadas em eletrocardiograma (ECG) de repouso.
RELATO: Masculino, 39 anos, relata início súbito de palpitações frequentes sem outras queixas. Sete dias antes havia iniciado prática recreativa de mergulho e apneia intermitente, que totalizavam apenas cerca de 10 minutos diários na última semana. Previamente hígido e sem vícios. ECG com taquicardia sinusal, EV isoladas com padrão de bloqueio de ramo esquerdo e eixo inferior. Holter 24h com 15% de densidade de EV. Ecocardiograma e ressonância cardíaca sem alterações. Iniciado propafenona 900mg/dia e metoprolol 50mg/dia e orientado a abandonar mergulho e apneia. Melhora progressiva após 1 semana das medidas instituídas com possibilidade de redução das medicações e suspensão total após 30 dias do início do tratamento. Holter de acompanhamento sem EV.
CONCLUSÕES: A prática esportiva de mergulho configura uma atividade física intensa que requer preparação e avaliação médica prévia. A ocorrência de extrassístoles é frequentemente assintomática, porém podem progredir para arritmias mais complexas, impondo um risco à vida especialmente enquanto submerso. Além disso, incidem mais próximo ao fim da apneia quando a bradicardia e a hipóxia alcançam níveis mais significativos. Quanto melhor a preparação física, menor é a variabilidade da frequência cardíaca durante a prática, e consequente menor o risco de arritmias. No caso relatado, o paciente não possuía treinamento prévio, o que favoreceu a ocorrência das EV. Porém, foi interessante notar o desenvolvimento de EV sintomáticas mesmo em apneia estática, com pequena profundidade e sem a presença de hipotermia, que são fatores agravantes conhecidos. Embora se tratassem de EV isoladas, estas foram sintomáticas – algo incomum ao descrito na literatura – e persistiram por cerca de uma semana mesmo com o uso de medicações e na ausência de cardiopatia estrutural. Isso sugere que não é preciso condições extremas de exercício ou de saúde para desencadear arritmias potencialmente graves.