INTRODUÇÃO: Definida pela tríade de anatomia trabecular proeminente, fina camada compactada e recessos intratrabeculares profundos, a miocardiopatia não compactada do ventrículo esquerdo (MPNCVE) é de prevalência desconhecida. Estima-se que 20-40% dos casos têm natureza familiar, principalmente por herança autossômica dominante. A clínica é heterogênea, desde pacientes assintomáticos até morte súbita. Insuficiência cardíaca (IC), arritmias ventriculares e eventos tromboembólicos são os mais comuns.
RELATO: V.L.O., sexo feminino, 74 anos, hipertensa, diabética, hipotireoidea, portadora de IC de fração de ejeção reduzida (ICFEr) sem etiologia definida e antecedente de acidente vascular encefálico isquêmico há 9 meses da internação. Histórico familiar de morte súbita em parentes jovens de 1º grau. Apresentou quadro súbito de dor torácica típica de síndrome coronariana no dia 23/11/22, buscando atendimento médico. Na admissão, eletrocardiograma sinusal evidenciou bloqueio de ramo esquerdo, e positividade dos marcadores de necrose miocárdica. Realizou cineangiocoronariografia, sem lesões obstrutivas. Diagnosticada como MINOCA (Myocardial Infarction and Nonobstrutive Coronary Arteries), foi solicitada ressonância cardíaca, que mostrou aumento do trabeculado médio-apical do ventrículo esquerdo, preenchendo critérios para MPNCVE, bem como achados compatíveis com cardiomiopatia isquêmica. Iniciado anticoagulação plena, tratamento clínico otimizado e rastreio familiar nos parentes de 1º grau.
DISCUSSÃO: O diagnóstico de MPNCVE pode ser por meio do ecocardiograma, porém o método padrão ouro é a ressonância cardíaca, sendo estabelecido que a razão miocárdio não compactado/compactado na diástole nas paredes lateral e apical > 2,3 possui sensibilidade de 86% e especificidade de 99% para trabeculações patológicas e diagnóstico de MPNCVE. A paciente do caso apresentava IC e cardiopatia isquêmica não coronariana sem investigação prévia, com uma relação miocárdio não compactado/compactado de 3,8, altamente sugestivo de MPNCVE. Tal fato justifica a IC, porém com quadro isquêmico não coronariano pouco comumente descrito.
CONCLUSÃO: O caso em questão é condizente com MPNCVE, patologia de baixa prevalência e difícil diagnóstico. Não existe terapia específica, sendo as principais medidas as de prevenção de arritmias, tratamento da IC, prevenção de morte súbita e de tromboembolismo. O rastreio precoce se torna primordial para prevenção de desfechos cardiovasculares adversos.