Introdução: A pandemia reduziu drasticamente o agendamento de cirurgias cardíacas, pois os grandes hospitais foram direcionados para os atendimentos dos pacientes com Covid-19. Os pacientes sintomáticos estáveis com estenose aórtica (EAo) acentuada tiveram as intervenções cirúrgicas postergadas. Esse estudo analisou o impacto da pandemia na evolução das principais variáveis ecocardiográficas desses pacientes.
Métodos: estudo retrospectivo analisou a taxa de morte em 237 pacientes ambulatoriais com EAo acentuada (gradiente pressórico transaórtico ≥40 mmHg ou área valvar ≤1,0 cm2) sintomática e estável com indicação de intervenção valvar percutânea (TAVI) ou cirurgia de troca valvar no período de 01/04/2020 a 21/12/2021. Analisou-se os dados evolutivos do ecocardiograma inicial (ECO1) e do ecocardiograma próximo a data final de seguimento ou do evento morte (ECO2). As principais variáveis ecocardiográficas analisadas foram fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), massa ventricular esquerda (MVE), volume do átrio esquerdo (VAE), gradiente pressórico transaórtico máximo (GPTAmax) e médio (GPTAmédio), velocidade de fluxo (VFluxo), área valvar aórtica (AVA) e pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP).
Resultados: a média de idade foi de 73±10,5 anos, 131 (55%) homens. Durante o período de seguimento de 22,4±13,3 meses observou-se 24 óbitos, sendo 21 (88%) de origem cardíaca, 2 por COVID-19 e 1 câncer. A mortalidade foi maior nos pacientes mais idosos (76,8±11,4 vs. 72,6±10,4; p=0,048), com menor FEVEeco1 (55,1±14,1% vs. 61,5±8,0%; p=0,013) e FEVEeco2 (50,6±13,5 vs. 58,6±10,5%; p=0,001), e nos pacientes com maior MVEeco2 (119±30 vs. 141±34 g/m2; p=0,031) e PSAPeco2 (39±13,8 vs. 52,1±41,9 mmHg; p=0,003). A incidência cumulativa de morte foi maior para FEVEeco1 (<50%) (K-M: log-rank p=0,021), mas somente após seguimento de 8 meses. A comparação evolutiva entre os ecocardiogramas (ECO1 vs. ECO2) mostrou redução da FEVE (p<0,0001) e da AVA (p<0,0001), e aumento do GPTAmax (p=0,029), do GPTAmédio (p=0,006) e da PSAP (p=0,043). A redução da FEVE foi maior, mas não estatisticamente significante, nos pacientes que morreram (4,4% vs. 2,9%).
Conclusão: no período de seguimento médio de menos de dois anos ocorreu piora significante de algumas variáveis ecocardiográficas, em especial a deterioração da FEVE. Pacientes com FEVE<50% deve ter a intervenção valvar priorizada, pois sabe-se que disfunção ventricular esquerda e sua deterioração são importantes fatores prognósticos pré- e pós-intervenções valvares.