Introdução: Apenas uma pequena minoria dos casos de insuficiência tricúspide (IT) significativa estão relacionados à doença valvar primária. A hipoxemia não é um sinal esperado de IT primária, sendo encontrada em casos secundários avançados quando também há hipertensão pulmonar (HP) e síndrome de Eisenmenger.
Relato de Caso: Um homem de 44 anos deu entrada no pronto-socorro com queixa de dispneia e palpitações. História patológica pregressa consistia num acidente automobilístico em 1999 e acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico basilar em 2017. Durante a investigação etiológica do AVC, ele havia sido diagnosticado com forame oval patente (FOP) e iniciado anticoagulação com varfarina (ROPE Score de 7 pontos). À chegada, o paciente estava taquicárdico e hipoxêmico (saturação de oxigênio de 72% em ar ambiente). O exame físico mostrava sinais de insuficiência cardíaca direita e sopro sistólico (3/6+) melhor audível na borda esternal esquerda. Uma angiotomografia descartou embolia pulmonar e ele foi internado para prosseguir com a investigação. O ecocardiograma transesofágico mostrou sinais de IT primária importante (flail do cúspide anterior e falha de coaptação) e aumento significativo de ambas as câmaras direitas, mas com função do ventrículo direito (VD) preservada. Também confirmou o diagnóstico prévio de FOP, com shunt direita-esquerda. Foi então realizado cateterismo cardíaco direito, revelando quociente fluxo pulmonar-sistêmico (Qp/Qs) de 0,86, pressão arterial pulmonar de 12/7mmHg e resistência vascular pulmonar de 2,1 WOOD. Após descartar HP, as principais hipóteses tornaram-se IT primária provocada por trauma torácico há 20 anos e hipoxemia causada por shunt direita-esquerda devido à sobrecarga de volume do átrio direito. A avaliação intraoperatória confirmou a ruptura de cordas do folheto anterior. Foi realizada a substituição da valva tricúspide por bioprótese e o paciente recebeu alta assintomático e normoxêmico.
Conclusão: A IT primária é uma condição rara, ainda menos provável no contexto de hipoxemia. A anamnese detalhada deve incluir história de trauma na parede torácica ou lesão por desaceleração. Este caso ilustra o esforço necessário para excluir situações mais comuns até concluir que se tratava de insuficiência cardíaca direita por IT primária, cursando com shunt pelo FOP.