Introdução: Alguns estudos já mostraram que a presença de uma mesma mutação em um gene codificador de proteína sarcomérica pode desencadear diferentes padrões patológicos de remodelação do miocárdio, notadamente miocardiopatia hipertrófica (MCH) e não compactada (MNC), e estas variações na expressão fenotípica podem refletir uma interação entre o genótipo e os fatores ambientais. Descrevemos o caso de duas familiares (tia e sobrinha) portadoras da mesma variante patogênica em heterozigose no gene MYH7, com expressões fenotípica distintas: CMH e MNC.
Relato de caso: L.E.S., sexo feminino, 42 anos, sem queixas, com histórico familiar de morte súbita inexplicada em parente de primeiro grau (filho, aos 16 anos), sendo submetida a rastreio de imagem e genético. Ecocardiograma mostrou numerosas trabeculações miocárdicas em ventrículo esquerdo (VE), hipocinesia difusa de VE, fração de ejeção de 43% e redução do Strain Global Longitudinal (17%). Ressonância magnética cardíaca mostrou relação miocárdio não compactado/miocárdio compactado entre 3 e 4 e extensa área de realce tardio tendendo à transmuralidade do VE (figura 1). Análise genética evidenciando a presença da variante 2155C>T no gene MYH7, em heterozigose. A mesma variante foi encontrada em sua irmã S.L.M. (sem manifestações de cardiopatia) e sobrinha S.S.M. O Ecocardiograma desta última, com 31 anos à época, evidenciou septo interventricular com espessamento importante (23 mm; figura 2), assimétrico, sem gradiente significativo à via de saída do VE. Além disso, função sistólica do VE preservada, alteração de relaxamento, átrios dilatados e insuficiência mitral leve. Tais achados definem a manifestação fenotípica da CMH.
Fig. 1 - RMC
Fig. 2 - Ecocardiograma de S.S.M.
Discussão: A variante detectada nas pacientes está associada ao desenvolvimento de ambas as miocardiopatias, mais notadamente a hipertrófica, com padrão de herança autossômica dominante; a detecção dessas mutações em um dos genes sarcoméricos está associada com o aumento da gravidade da doença em relação a casos com teste genético negativo. Entretanto, é necessária cautela na interpretação da bagagem genética de cada paciente e das implicações clínicas e psicológicas destas descobertas.
Conclusão: Não é possível determinar o desenvolvimento de fenótipo hipertrófico ou não compactado - e estimar seu prognóstico - com base apenas na mutação isolada. Conforme evidências disponíveis, a ocorrência de tantas mutações em genes distintos, além do efeito de polimorfismos gênicos e da interação ambiental, impossibilitam esta definição.